O Senado aprovou nesta terça-feira (15) uma nova versão do projeto que regulamenta os gastos do novo Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). O texto descarta alterações que retiravam cerca de R$ 16 bilhões das escolas públicas para repassar a outros sistemas de ensino (veja detalhes abaixo).
O Fundeb é o principal mecanismo de financiamento da educação básica no país. Em agosto, o Congresso promulgou uma emenda à Constituição que renovou as regras do fundo e tornou-o permanente. Mas faltam, ainda, regras específicas sobre a divisão do dinheiro.
Com as modificações feitas no Senado, o texto voltará para a análise da Câmara. O senador relator do texto, Izalci Lucas (PSDB-DF), disse que há acordo com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para concluir a nova votação ainda nesta semana.
“Após a manifestação de representantes do setor da educação e parlamentares, o Senado Federal reverteu as modificações feitas pela Câmara ao texto de regulamentação do Fundeb. Os senadores garantiram a destinação de recursos para o ensino público do país, área que mais carece”, publicou em rede social o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).
Especialistas criticam o projeto de regulamentação do Fundeb aprovado na Câmara
No Senado, os parlamentares decidiram resgatar a versão original do relatório do deputado Felipe Rigoni (PSB-ES). Isso porque, após votarem esse texto-base na Câmara, os deputados passaram a aprovar vários destaques – trechos analisados individualmente.
Um desses trechos abriu espaço para que escolas privadas sem fins lucrativos, de base filantrópica ou religiosa, também recebessem dinheiro público. A regra valeria inclusive para colégios ligados ao Sistema S (Senai, Sesi, Senac, Sesc).
Estimativa feita pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação e pela Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca) diz que esses trechos, juntos, poderiam retirar cerca de R$ 16 bilhões das escolas públicas.
Esses pontos são criticados por especialistas e entidades da educação.
O senador Izalci chegou a apresentar um relatório “intermediário”, nesta terça, mantendo parte dos destaques polêmicos e rejeitando outros. A versão, no entanto, não recebeu o apoio da maioria dos senadores. Por isso, em plenário, a decisão foi de retomar o relatório original de Rigoni.
Com a exclusão dos trechos controversos, os senadores aprovaram a regulamentação rapidamente, em votação simbólica, sem contagem de votos.
Câmara votará na quinta
Em entrevista na Câmara, Maia confirmou que o texto será pautado na próxima quinta-feira (18) no plenário da Casa.
“Foi longe demais. Entrar dentro do Sistema S com dinheiro do Fundeb não faz nenhum sentido”, disse o parlamentar. “Daqui a pouco você vai ter uma redução de recurso público para escola pública”, acrescentou o presidente da Câmara.
Maia defendeu a aprovação do texto original do relator na Câmara, assim como foi aprovado no Senado.
“É claro que os partidos vão ter direito a apresentar destaques para recuperar o texto que foi retirado no Senado”, afirmou.
A proposta
Promulgado em agosto pelo Congresso Nacional, o novo Fundeb entrará em vigor em janeiro de forma permanente. Antes, o fundo tinha prazo de validade e acabaria agora em dezembro.
A alteração aprovada na Constituição também ampliou os repasses federais. Hoje, essa complementação da União é de 10% sobre o montante reunido por governos estaduais e prefeituras – o percentual deve chegar a 23% em 2026.
O fundo foi criado com o objetivo de reduzir desigualdades e de garantir um valor mínimo por aluno a ser investido em cada cidade do país, em escolas de ensino infantil, fundamental e médio, e também na educação de jovens e adultos (EJA).
Congresso promulga emenda, e Fundeb permanente receberá mais verba da União
No entanto, ainda falta uma lei definindo as regras detalhando a operacionalização e a distribuição dos recursos a estados e municípios.
Segundo nota técnica do movimento Todos pela Educação, a regulamentação ainda neste ano é “imprescindível”. Cálculos da entidade, apontam que, sem isso, cerca de 1.500 municípios mais pobres correm o risco de ficar sem R$ 3 bilhões adicionais advindos da nova modelagem do Fundeb, considerando apenas o ano de 2021.
Pelo texto aprovado, ainda não é possível saber quanto cada estado e município receberá. Alguns indicadores serão definidos pelos parlamentares no próximo ano e outras normas devem ser estabelecidas por meio de decretos e portarias do Executivo.
CAQ
Entre outros pontos, o projeto define o Custo Aluno-Qualidade (CAQ), previsto na emenda constitucional promulgada pelo Congresso.
O CAQ é um parâmetro de financiamento educacional previsto no Plano Nacional de Educação (PNE) que define qual deve ser o investimento por aluno para garantir a qualidade na educação.
O texto determina a divisão da complementação da União da seguinte forma:
- 10 pontos percentuais seguirão as regras atuais de distribuição, para os estados mais pobres que recebem o complemento da União para atingirem o padrão mínimo.
- 10,5 pontos percentuais serão distribuídos para redes públicas de ensino municipal, estadual ou distrital que não atingirem o valor anual total por aluno (VAAT), parâmetro de distribuição criado com base na capacidade de financiamento das redes de ensino.
- 2,5 pontos percentuais complementação com base no valor anual por aluno (VAAR), que serão distribuídos de acordo com o cumprimento de condicionalidades e evolução dos indicadores, a serem definidos, de atendimento e melhoria da aprendizagem com redução das desigualdades.
Parte da complementação da União (2,5 pontos percentuais) deve seguir alguns critérios, como:
- parâmetros técnicos de mérito e desempenho para o provimento do cargo de gestor escolar;
- participação de pelo menos 80% dos estudantes em avaliações da educação básica;
- redução de desigualdades socioeconômicas e raciais na educação, medidas em exames de avaliação.
O que disseram os senadores
Veja a seguir o que disseram os senadores na votação desta terça-feira:
- Izalci Lucas (PSDB-DF), relator do projeto:
“O mais prático, o mais rápido, o que é consenso aqui é simplesmente nós acatarmos o relatório do Rigoni, porque foi esse o relatório que nós aprovamos nas comissões. Se houver alguma alteração, a Câmara que faça a alteração.
O Senado acompanhou durante todo esse período, nós aprovamos esse relatório, concordamos com ele, alguns minutos atrás, recebermos o relatório de uma matéria tão importante… Não dá para a gente ficar discutindo muito. Nós já discutimos e já decidimos. Eu já pedi que fizessem o relatório encaminhando, o mesmo texto do relator da Câmara, do Rigoni. Então, é exatamente igual. Se quiserem mudar, vão mudar lá [na Câmara]”.
- Jorge Kajuru (Cidadania-GO), senador:
“Os especialistas informam que, com a decisão da Câmara, na regulamentação do Fundeb, R$ 16 bilhões vão simplesmente desaparecer do ensino público e vão para as escolas particulares. Então isso é uma preocupação.
Mais uma vez, a gente vê o Senado tendo que votar goela abaixo, sabendo nós que hoje aqui podemos fazer o contrário, ou seja, devolver o projeto para a Câmara e esperar que ela atenda o relatório do deputado Rigoni”.
- Paulo Paim (PT-RS), senador:
“O Brasil caiu cinco posições no ranking global do IDH, ocupamos a posição 84 em 189 países. A ONU aponta a falta de avanços na educação como responsável por esse índice. Com um menor investimento no Fundeb, cairemos ainda mais, ou seja, os mais pobres pagarão a conta outra vez.
Isso é inadmissível para uma Nação que necessita dar um futuro melhor para o seu povo! Se quiserem de fato avançar, o caminho é aprovar o Fundeb sem as privatizações que vieram da Câmara”.
- Otto Alencar (PSD-BA), líder do partido no Senado:
“O que o Brasil precisa são mais creches, mais salas de aulas para pré-escola, ensino fundamental, mais universidades federais, estaduais, públicas, gratuitas, com ensino de boa qualidade. É inadmissível retirar, como o texto da Câmara retirava, R$15,9 bilhões para escolas privadas, fundações e associações”.
- Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder do partido:
“Nós acabamos de restaurar o texto original apresentado na Câmara. O texto final que havia sido aprovado na Câmara com as alterações retirava R$ 12 bilhões das escolas públicas e destinava para instituições confessionais e privadas.
Isso é um vilipêndio à Constituição e à educação pública e que desvirtuava o próprio texto da emenda constitucional que instituiu o novo Fundeb. Recursos públicos devem ser destinados às escolas públicas”.