Governo inicia tratativas para aprovar a proposta nesta primeira fase de tramitação da matéria na Câmara dos Deputados. Na CCJ, a aprovação vai ser rápida. Relator terá cinco sessões para apresentar parecer no colegiado técnico
A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 32/20, do governo, que trata da Reforma Administrativa, já tem relator na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara.
O texto foi entregue para relatar, na segunda-feira (15), ao deputado Darci de Matos (PSD-SC). Nessa comissão, vota-se apenas a admissibilidade da proposta.
Em entrevista à TV Câmara, o relator da proposta disse que “o serviço público não é de qualidade, é muito ruim”. “Ou seja, o serviço público é oneroso, corrupto e lento”, enfatizou. A pergunta que fica depois dessa entrevista é: o que esperar do deputado em relação à proposta que ele acaba de assumir a relatoria?
O que vão dizer e pensar os milhares de servidores públicos da saúde, cujos salários estão congelados, nessa pandemia, do relator da PEC 32/20?
O deputado Darci de Matos está no exercício do primeiro mandato federal. É técnico agrícola e professor. Paranaense, foi eleito com 68.130 votos. Já foi do PFL (1993-2007) e do DEM (2007-2011). Migrou para o PSD, em 2011.
GOVERNO INICIA NEGOCIAÇÕES EM TORNO DA PROPOSTA
O governo começou, na terça-feira (16), as tratativas com a Câmara dos Deputados sobre a tramitação da proposta. A PEC 32 foi entregue ao Congresso, em setembro de 2020. O então presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), segurou a proposta até sua saída do comando da Casa.
Diferente de Maia, o atual presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), alinhado com o governo, tão logo assumiu a cadeira de presidente da Casa, em fevereiro, despachou a proposta ao exame da CCJ, que é a primeira fase de análise da PEC no Legislativo.
A partir da próxima semana, a CCJ pode iniciar a fase de audiências públicas para instrução da matéria. A presidente do colegiado, deputada Bia Kicis (PSL-DF), junto com o relator, vai apresentar calendário de audiência pública no colegiado. O relator, regimentalmente, pode apresentar parecer sobre a proposta em até cinco sessões, algo em torno de uma semana corrida.
CONTEÚDO DA PROPOSTA
A PEC tem amplíssimo escopo e pretende reduzir, drasticamente, o tamanho e o papel do Estado brasileiro. Se a reforma for aprovada como foi despachada pelo governo ao Poder Legislativo pode desmantelar os serviços públicos e precarizar sobremodo o funcionalismo.
A proposta desregulamenta direitos e regulamenta restrições. Grosso modo, a contrarreforma, como deve ser apropriadamente tratado o texto de Bolsonaro/Guedes, terá como consequência o aumento da negligência governamental no combate às desigualdades regionais e de renda, e a redução da presença dos pobres no Orçamento Público.
Isso ocorre invariavelmente com a diminuição ou retirada do Estado no provimento de bens e serviços aos cidadãos, às populações, aos territórios vulneráveis e aos desassistidos. Com a proposta, não se cogita aumentar receita, apenas de reduzir despesas.
A proposta possui duplo objetivo: 1) de natureza liberal-fiscal, que busca satisfazer o mercado e atender à visão ideológica neoliberal da equipe econômica; e 2) de caráter persecutório e de preconceito para com o servidor.
O primeiro teria por base a suposição de que o Estado é perdulário, faz má alocação e desperdiça recursos, além de ser acusado de patrocinar privilégios e ser ineficiente. O segundo se expressa na narrativa de ataque à honra dos servidores, que têm sido associados por autoridades governamentais a parasitas, assaltantes e a inimigos do povo.
“Assim, embora apresentada sob o fundamento de conferir maior eficiência, eficácia e efetividade à atuação do Estado e até de ampliação da transparência e do controle social, a reforma, na verdade, parte do pressuposto de superioridade da gestão privada e busca trazer para a Administração Pública a lógica de mercado, de relação cliente-consumidor, que se pauta pela demanda, numa transação de natureza mercado ou comercial de troca”, escreveu o diretor licenciado do Diap, Antônio Augusto de Queiroz, em análise sobre o texto do governo.
E arrematou: “Em todos os países em que esse desenho foi implementado falhou, porque no Serviço Público a lógica de prestação de serviço deve ser orientada pela necessidade dos cidadãos, considerando princípios como equidade e justiça, e não de mercado, que busca apenas a maximização do lucro”.
NARRATIVA NÃO CORRESPONDE À REALIDADE
A Reforma Administrativa está no contexto das contrarreformas neoliberais do Estado brasileiro, que são apresentadas, em narrativas, como solução de mazelas sociais, financeiras e de aperfeiçoamento do funcionamento do Estado.
“Na prática, a teoria é outra” ou diferente, dizia o falecido jornalista econômico Joelmir Beting. Esta contrarreforma vai na mesma direção do teto de gastos (EC 95/16), que ano após ano esvazia o orçamento público no quesito investimentos do Estado brasileiro, além de retirar o pobre do financiamento estatal, porque liquida políticas públicas sociais.
Há ainda a terceirização geral da mão de obra (Lei 13.429/17), que precarizou ainda mais as relações de trabalho; a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/17), que complementou três anos, em novembro passado, e não gerou os empregos prometidos. Ao contrário.
A Reforma da Previdência (EC 103/19) que vulnerou, sobremodo, a principal fonte de distribuição direta de renda aos trabalhadores, em particular, e ao povo em geral, que segundo a Anfip (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil) é a Previdência Social. A Anfip elabora, sistematicamente, estudos que comprovam esse dado.
E não se pode esquecer a “PEC Emergencial”, a PEC do arrocho, promulgada na última segunda-feira (15), transformada na EC (Emenda à Constituição) 109/21, que entre outras mazelas, congela o salário do funcionalismo, dos três entes federados — União, estados e municípios —, por pelo menos 15 anos.
Relator da Reforma Administrativa na CCJ ofende servidor e agride o serviço público